Em dezembro de 2018 fui apresentada ao famoso livro “O caminho do artista” de Julia Cameron e, como todo mundo que lê aquele livro pela primeira vez, fiquei, além de encantada e apaixonada, achando que as práticas ensinadas no livro, mudariam a minha vida pra sempre.
Como uma boa menina curiosa, comecei a realizar a prática das páginas matinais. Em rasas palavras, consiste em fazer da escrita a sua primeira tarefa do dia, colocando pro papel tudo o que está na sua cabeça logo ao acordar em, pelo menos, 3 páginas de escrita. Sem preocupação nenhuma com estética, parágrafos ou coisa assim, o intuito é deixar sair o que preenche a cabeça para abrir espaço para novas e criativas ideias.
Como uma boa menina disciplinada, mantive o hábito por 2 dias. Não sei dizer os motivos que não me deixaram continuar, mas tenho quase certeza que o principal deles foi a enorme dificuldade em manter compromissos comigo mesma.
Vale dizer também que minhas palavras, apesar de ficarem reverberando na cabeça, quando saem, não saem pela cabeça, saem pelo estômago, saem vomitadas e, por este motivo, essa série de textos que inicio hoje, depois de sei lá quanto tempo sem escrever por aqui e sem saber por quanto tempo me manterei escrevendo, recebeu esse belíssimo nome de VÔMITOS - palavras que saem do estômago.
Então, bora pra VÔMITOS Nº1 de 23/12/2018 com a intenção de ser fiel ao que escrevi à época e com a certeza de que, muito provavelmente, farei modificações necessárias e, mais provavelmente ainda, acrescentarei alguns comentários e julgamentos (em itálico) vindos diretamente do estômago, mais velho e irritável, que tenho hoje em 2024.
VÔMITOS Nº 1 - 23/12/2018
Hoje começo a escrever minhas páginas matinais. Espero muito que eu consiga dar continuidade a esse processo. O livro que estou lendo (o tal da Julia Cameron, que mencionei ali em cima) diz que nessas páginas eu colocarei tudo o que está bloqueando a minha criatividade. Toda a tormenta que fica turvando a minha mente logo quando acordo. E diz também que eu deverei escrever 3 páginas do que vier à minha cabeça todo dia de manhã. Começa de uma forma interessante porque tem tanta, mas tanta falação na minha cabeça, que é quase possível listar em tópicos. O livro diz que é para eu colocar tudo para fora, que não precisa ter lógica nem sentido e que eu nem deveria ler essas páginas depois, mas no meio dessa falação eu até já pensei em um dia tornar essas páginas um livro (se vai virar livro não sei, mas já virou publicação, certo?), mas penso se isso não me limita sobre o que escrever. Espero que não. A primeira coisa que está vindo na minha cabeça, neste momento, é a dificuldade que estou para escrever, porque acabei de acordar e as articulações dos dedos e da mão estão doloridas, pouco alongadas. Tenho também dor nos ombros e isso vai me dando vontade de largar a caneta ao mesmo tempo em que quero cumprir a tarefa (estou impressionada em descobrir que há um pouco mais de 5 anos eu já tinha dores nas articulações dos dedos, da mão e no ombro). O meu “censor” - isso é falado no livro também - está aqui me dizendo que eu não serei capaz de fazer essa tarefa todos os dias porque eu não cumpro as coisas. Tô com vontade de mandá-la à merda porque eu realmente me boicoto muitas vezes mas se ele, que faz parte de mim, vai ficar me zoando dessa forma, vai ficar meio f** mesmo. O livro diz que ele, o censor, vai tentar me boicotar e me fazer desistir ou não conseguir (seria estratégia da autora pra instigar o leitor a continuar escrevendo?). Bora pro embate! Eu tô disposta e quero conseguir isso. Tem tanta, tanta, tanta coisa na minha cabeça que eu sinto o peso disso tudo. Acordei agora cheia de dor nos braços e espalhada pelo corpo. Sei que isso tudo é reflexo dessa minha ansiedade, essa que eu chamo de falação. Ao invés de eu só escrever, tô aqui pensando se vou dar conta de três páginas, se preciso parar nas três, se aumento ou diminuo a letra, enquanto eu mesma acho que não deveria nem pensar nisso e só escrever. E se eu continuar pensando, a moça vai sair do livro para brigar comigo? Não! Então! Que saco, deixa esse assunto para lá e escreve essa merda. Tá cheio de coisa te perturbando aí mesmo. Tem um ventilador que faz um barulho escroto aqui na sala (na casa do Edu) enquanto maritacas passam gritando lá fora. Aqui está um calor da sucursal do inferno e eu, ao invés de ficar deitadinha quietinha na cama, levantei porque deixei essa merda de ansiedade me dominar. Daí dói a porra toda. Dores nos braços, espasmos nas pernas (acabei de me dar conta de que não tenho mais esses espasmos, mesmo quando estou em crise de ansiedade), vontade de sumir, de morrer e de matar. Questionamentos mil. Tá calor. Eu estalo os dedos, eles ainda doem. Eu penso novamente que quero fazer dessas páginas um livro (que coisa, hein, dona Priscila?!) para ajudar pessoas (falou a síndrome da salvadora) porque acredito que elas me ajudarão a superar todo esse incômodo que me persegue há muitos anos. Tem uma lágrima colada no canto do olho que quer descer (e agora enquanto releio e digito tudo isso, percebo que o sentimento que aflora aqui é raiva, indignação). Colando também está o meu braço na mesa por causa do calor. Eu quero gritar. Penso em cachoeira, penso em falar mal, reclamar, do Edu. Penso que quero colo e que gostaria de não chorar, mas já era! A lágrima tá pronta, ela vai cair e outra já formou no outro olho. Penso que dei mais espaço para escrever nessa linha de cima (eu escrevi à mão, lembra?) e penso que essa coisa de ansiedade é realmente uma merda de uma confusão dentro da cabeça da gente e que, realmente, fica difícil viver assim. Penso que muitas pessoas se reconhecerão nessa minha confusão e que, ao sair dessa loucura, através dessas milagrosas páginas matinais (essa p** (da escrita a mão) tá descendo morro), eu vou estar menos confusa e destrambelhada na escrita. Terceira página. Essa p** é mole para mim (olha ela, se orgulhando da facilidade que tem pra escrever). Nem comecei a tirar ou falar das tormentas que estão na minha cabeça e já cheguei na terceira página. Droga! Ou não. Sei lá. Quero cachoeira. Quero mato. Tá calor. Minha perna esquerda está formigando. Minha mão continua doendo enquanto eu escrevo e penso que tô escrevendo pouco. Faz barulho de carro lá fora e eu penso que o meu carro tá mal cuidado à beça. Batido dos dois lados e na traseira (não me lembro de viver esse momento! Não fui eu que bati, eu sou boa motorista!). Me acho péssima. Sem dinheiro (gente!!! 5 anos depois e a história se repete? Socorro, hein?!). Queria poder consertar meu carro. Não tenho como. Ou não sei se tenho, mas se tivesse dinheiro agora ele não iria para o carro. O carro ainda está me servindo do jeito que está e a minha ansiedade está me convencendo de que preciso de mais “coisas”. Que mané coisas? Preciso de mais nada material. Preciso de colo. Tô dando muito colo e não tô recebendo. Não tô querendo pedir, tenho vergonha e medo de ser rechaçada (eu tinha meus motivos pra isso). Caiu, enfim, com gosto, a lágrima. Ser rechaçada me traz frustação e decepção. Seco as lágrimas na altura do nariz, a 3ª página está quase acabando, a minha letra está horrorosa e eu penso que não listei ou, sequer citei os meus incômodos propriamente ditos: a merda da festa de formatura (um trabalho que eu fazia de organizadora e cerimonialista de formatura infantil); o medo de estar (ou não) agindo certo com o meu filho; o medo de estar agindo certo com o Edu; o ódio que eu tenho dessa falação; o barulho desse ventilador infeliz; eu quero embrulhar presente de natal; eu quero aprender a viver o hoje; eu tô com calor; eu tô com raiva (a-ha!!! não falei que o sentimento era raiva?); eu tô esquisita; eu tô com vontade de gritar. Ou seria de sumir? Eu quero colo. Eu quero colo. Eu tô com calor. Eu não sei se fico ou se vou embora (pra casa). Eu sou uma péssima mãe. Eu devo estar na TPM, mas eu queria mesmo era estar grávida. Puta que pariu! Louca do c***. É isso que eu sou (como eu pego leve comigo mesmo, não é verdade?). Tô com raiva. Eu quero colo. Escrevi tudo torto (no papel). Por hoje acabei. Dá para ir mais. Não quero! Cansei! Bom dia.
Se você chegou até aqui, no mínimo é porque foi tendo curiosidade em saber aonde essa loucura ia acabar. Sinto dizer que não acabou, aliás, não acaba. Esses são meus mergulhos na parte da loucura que a mim compete. Como dizia Nise da Silveira, “A loucura é o que existe de mais humano. O artista mergulha no inconsciente e volta. Já o doente, o louco, não tem o bilhete de volta. Essa é a diferença.” Mas, se você curte esse tipo de conteúdo, te convido a colaborar com quem o escreve. Sou uma teimosa artista independente, que cismo em viver da minha arte. Para colaborar, basta enviar um pix de qualquer valor para a chave 21994428465. Assim, poderei dedicar meu tempo a me construir enquanto artista.