Olá! Domingo à noite e estamos aqui de volta. No meu caso, logo depois de assistir aos 3 primeiros episódios da tão ultimamente falada série da Netflix, Bebê Rena. Eu não sou fã de modinhas, de assistir ao que todo mundo assiste, mas eu sou uma apaixonada pela ideia de entender as relações e o comportamento humano diante delas, tanto que estou aqui, escrevendo mais um texto da série VÔMITOS, vomitando os sentimentos e a maneira como eu me entendia e entendia um relacionamento que vivi em 2018.
Dizer que estou assistindo à série, quer dizer que estou o tempo todo questionando o comportamento do personagem Donny, da personagem Martha, da Priscila que eu sou hoje e da Priscila que eu era em dezembro de 2018. Assim como o autor de Bebê Rena, Richard Gadd, estou escrevendo sobre a minha própria história e, no meu caso - não sei dizer se no dele foi assim também - estou fazendo dessa “explanação” da minha vida, uma ferramenta de autoconhecimento, numa busca constante de melhorar enquanto pessoa, melhorar nos meus relacionamentos e, porque não dizer, arranjar as justificativas ideais para o fato de desejar estar vivendo um relacionamento saudável, mas me encontrar cada vez mais isolada e num limbo emocional por uma pessoa que, claramente, já foi embora.
Eu, enquanto artista, considero que toda a minha vida, tudo o que eu faço dela e as consequências da minhas decisões, faz com ela seja um experimento social e, por assim ser, é arte e, como arte, deveria ser conhecida por mais alguém além de mim mesma.
Desde sempre eu quero me estudar, quero me analisar, quero me entender e acho que isso um dia ainda me levará a algum lugar que eu ainda não sei qual. Talvez a um consultório psiquiátrico, talvez à uma internação compulsória, talvez à satisfação pessoal, talvez ao sucesso, como Bebê Rena, mas talvez só até você que está lendo mesmo.
Esse é o terceiro, e até agora mais longo, texto da série. Foram 10 páginas de caderno escritas à mão no meio de uma crise de ansiedade que aconteceu durante a madrugada. Se você ainda não leu os anteriores, acho que a leitura vale a pena pra entender um pouco mais do contexto. Ou não. Talvez você não precise entender. De qualquer forma, o primeiro texto está aqui: VÔMITOS e o segundo, aqui: VÔMITOS Nº 2
Por último, antes de realmente começarmos, preciso dizer que, ao digitar aqui o que escrevi no caderno em 2018, me incomodei bastante com algumas coisas que li. Muitos dos desejos que, à época, eu coloquei na carta eu não me lembro de ter tido e eu não sei dizer se essa falta de memória é fruto de algum sistema inconsciente de proteção pra conseguir seguir a vida ou se é alguma mentira que eu estou contando agora pra mim mesma.
VÔMITOS Nº 3 - Madrugada de 27 para 28/12/2018
Tem tanta coisa na minha cabeça nesse momento que eu só consigo chorar. Eu tenho vontade de desistir de tudo, de ir embora, de sumir. Eu ainda não sei se fiz as melhores escolhas e não sei se consigo aceitar, me parece que não consigo aceitar as escolhas que fiz. Eu fico muito triste porque meu filho está viajando sem mim. Fico muito triste porque nós não viajávamos com nosso filho quando estávamos casados e agora o meu ex-marido viaja a toda hora com a sua nova família. Enquanto isso, eu tô aqui só chorando, toda me sentindo fracassada. Cheia de medo de tudo. Eu tô cheia dos sentimentos ruins dentro de mim. Lotada de medo até o talo e nem faço ideia de como sair disso. Tive um dia de merda, não agradei a mim nem a ninguém. Não me sinto querida nem bem-vinda. Não consigo compreender como que ontem tivemos uma noite maravilhosa e hoje ele mal me olhou nos olhos. Quero sumir, quero fugir, quero ir embora, mas tenho medo de me sentir sozinha quando eu for. Tô com medo dos próximos dias, tô com medo da chegada da ex-mulher dele aqui no Rio. Eu não queria ter que me afastar dele novamente como foi da outra vez em que ela esteve aqui. Eu queria que ele me visse e me entendesse como sua mulher, como parte da sua vida. Eu queria que ele me desse a importância que eu acho que eu mereço ter. Eu queria que ele compreendesse as minhas dores, os meus medos e que me acolhesse e me desse colo. Eu queria que ele soubesse dizer obrigado e que eu não me sentisse tão escravizada, tão usada e parecendo só prestar para realizar as vontades dele. E o pior, sou eu quem me coloco nessa posição idiota porque não sei fazer diferente. Eu quero ir embora, eu quero sumir, eu quero que ele sinta a minha falta e eu não sei fazer isso. Há um ano e meio eu tento fazer isso e eu nunca consegui. A um ano e meio eu acho que tô amando e tô sofrendo com esse amor. Há um ano e meio eu tô sofrendo com o significado de que existem dentro de mim quanto a namoro e que eu não consigo ressignificar. Eu não estou mais aguentando isso. Não aguento mais essa dor. Esse medo. Eu, talvez, devesse realmente ficar sozinha, mas eu amo tanto esse cara e não quero deixa-lo só, apesar de saber que, para ele, ficar só é tranquilo. Eu não aguento mais desconfiar dele e, nem ficar pensando que eu deveria fazer outra coisa. Eu não aguento mais sentir que me dedico demais. Eu não aguento mais não me amar e ter medo da minha vida sem ele. A minha vida é sem ele. Eu tô o tempo todo sem ele. Passei hoje o dia todo sem ele. Perto dos olhos, mas incrivelmente longe do coração. A distância provocada pelo tamanho dessa merda de corredor é enorme. Não consigo compreender como é melhor ficar o dia todo jogando no computador, enfurnado num escritório, do que ficar comigo vendo TV, fazendo faxina ou indo na rua passear. Ou fazer nada, Só carinho ou só conversando. Que merda de dia. Me sinto mal amada, mal querida, com vontade de nunca ter me permitido sentir o amor que eu penso que sinto por ele. Não o culpo de absolutamente nada. Considero que não devo esperar nada dele. Ele nunca me prometeu porra nenhuma. Eu é que me iludo sozinha. E me iludo porque quero, porque sei de tudo. Nunca fui nem estou sendo enganada. Pra mim sempre ficou muito claro que o amor dele é pouco e que a minha forma de amar assusta e, por isso, ele não se envolve. Eu só queria saber o que é que eu ainda tenho para fazer aqui. Seria muito simples se eu descobrisse que não gosto mais dele e daí pudesse ir embora, mas não! Eu me acho cada vez mais louca e acho que é cada vez mais louca por ele e cada vez mais envolvida. Tenho várias e todas as desculpas necessárias para cada coisa que eu sinto falta e não recebo. Pra todo tanto de pouco amor. Mais uma vez eu não culpo. Eu tenho todo o direito de ir embora a hora que eu quiser eu só não tenho a vontade, nem a coragem. Penso que ele não me pediria para ficar e isso me doeria mais ainda. Eu não aguento mais chorar. Eu não quero mais chorar. Eu quero viver em paz. Eu quero minha cabeça em paz. Eu quero minha cabeça de volta no lugar. Eu quero meu filho. Eu quero ser boa mãe. Eu quero ser reconhecida pelo que faço, eu quero feedback positivo. Eu quero saber que eu presto e que alguém sente minha falta ou me quer por perto. Eu quero ser importante para alguém. Eu quero ser importante para mim. Eu quero me amar. Eu quero dizer sem medo que eu não quero lixar a janela sozinha, que eu não quero lavar a louça sozinha, que eu não quero ficar sozinha, que eu odeio essa imensa distância entre a sala e o escritório. Que eu tô com medo dos próximos dias, que eu tenho medo que ele me dispense a qualquer momento. Que eu não aguento mais me dedicar tanto, mas que eu não sei como fazer diferente. Que eu quero que ele venha para o meu mundo. Que eu gostaria que ele me chamasse para viver com ele. Que eu quero mandar em alguma coisa. Eu quero decidir alguma coisa. Que eu não aguento mais ter medo de dizer ou fazer as coisas. Que eu quero as minhas roupas no guarda-roupas e o meu gato circulando por esta casa, mesmo achando o meu apartamento muito melhor do que esse. Eu quero ter um filho → uma filha e que eu desejo, com todas as minhas forças que ele seja o pai e que nós sejamos uma família. Eu quero trabalhar e quero ter dinheiro para pagar TODAS as minhas contas. Sem precisar do meu ex-marido, ou do meu pai, ou dele para porra nenhuma. Eu quero um carro novo e decente, que não me preocupe o tempo todo se o gás vai acabar ou quando é que ele vai enguiçar novamente. Eu quero, eu mesma, comprar esse carro novo, eu não quero mais torrar em dia de sol porque o carro não tem ar condicionado ou sofrer para manobrar porque essa merda não tem direção. Eu quero ser tão dentro, tão dentro que eu possa buscar o o filho dele na merda da rodoviária alguma vez na vida. Eu quero ser tão suficiente que esse merda possa mandar essas garotas filhas da puta pastarem porque ele está comigo e me ama. Eu Quero Ser Amada, porra! Eu quero parar de chorar, eu quero dormir em paz, sem achar que ele passou o dia inteiro e o último 1 ano e meio querendo me dizer algo que não disse. Eu vivo no medo. Achando e aguardando que, a qualquer momento, ele vá dizer que não me quer mais. Que já foi o suficiente. Eu não aguento mais tentar agrada-lo. Eu não aguento mais sentir que preciso ser aprovada, que ainda estou sendo avaliada para ser considerada boa o suficiente para ser aceita e poder ficar. Eu quero dizer que eu moro aqui, que esse é o meu lar, que essa é a minha família. Eu quero ver o meu guarda-roupas no quarto dele, ver a minha geladeira na cozinha e a minha mesa aqui na sala. Quero que o quarto seja das crianças e quero arrancar aqueles três quadrinhos horrorosos e azuis da parede. Quero autorizar e pagar pra fazer obra na cozinha e no banheiro, quero as paredes limpas e uma faxineira toda semana para não mais me sentir abusada porque eu não tenho ajuda para manter o apartamento arrumado do jeito que eu gosto que fique. Eu quero parar de esperar alguma coisa dele. Eu quero jogar brinquedos velhos e quebrados fora. Eu quero trocar o papel de parede e arrancar os adesivos ridículos. Eu quero trocar os lustres do banheiro e sentir essa casa como minha. Eu quero que a ex-mulher dele leve todas as coisas dela, todas, embora com ela ou que eu possa jogar tudo fora. Eu não quero mais a presença do fantasma dela nessa casa. Eu quero a família, eu, ele, os meninos, o gato e a barriguinha, todos juntos morando, vivendo e sendo felizes na mesma casa. Eu quero engravidar novamente. Eu quero uma filha dele. Eu quero um emprego, um dinheiro, um reconhecimento. Eu preciso de dinheiro, de viver, de vida. Eu não aguento mais querer fugir, sumir ou morrer. Eu quero que ele seja honesto e sincero comigo. Eu quero que ele seja honesto e sincero comigo. Eu quero que ele seja honesto e sincero comigo. Eu quero que ele vá à merda e deixe de ser insensível e egoísta, egocêntrico, cuidador só do próprio umbigo. Eu tô com dor de cabeça, eu não aguento mais escrever, eu tô com dor no dedo, na mão, no cotovelo. Eu quero dormir. Eu quero me sentir amada, querida e desejada o tempo todo. Sentir. Ter essa sensação e não a de que vou ser largada ou corneada a qualquer momento.
Chega dessa vida do jeito que está, meu Deus. Me ajuda a mudar o que eu preciso mudar em mim e na minha vida para eu rumar em direção ao que eu considero que seja bom para mim. Conserta minhas crenças, cuida da minha maneira de pensar. Abre meus olhos se eu não estou enxergando o que preciso. Não aguento mais reclamar, nem chorar. Eu quero que ele queira que eu esteja aqui na casa quando a ex mulher dele chegar. Eu não quero que ele guarde ou esconda nada do que é meu pra ela não ver. Não dá mais pra suportar isso. Não dá mais pra não ser prioridade. Eu quero ser prioridade. Me ajude, me guie, me conduza. Que assim seja!
Não sei nem concluir alguma coisa depois disso. Só posso me acolher, me abraçar, dizer que eu lamento muito que a Priscila que eu fui tivesse precisado passar por tudo isso. Dizer que pretendo cuidar, cada vez mais e ficar atenta pra que eu não me coloque ou para que saia o mais rápido possível de situações de extrema incapacidade como essa e que desejo que a leitura desse texto colabore com outras mulheres para que elas enxerguem quando estiverem vivendo relações de dependência emocional e/ou violência psicológica como essa que eu vivi durante 3 anos e 9 meses e que não deveria ter passado do primeiro desconforto.
A violência psicológica pode acontecer e se repetir diversas vezes com qualquer uma de nós. É uma das formas de abuso mais comuns e também a mais sutil. Ela é facilmente confundida com aspectos culturais e as pessoas acabam romantizando algumas ações, podendo levar à dependência emocional.
O grupo de apoio Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada Brasil) promove reuniões em todo país a partir de um método de terapia coletiva. Desde 1994 o grupo auxilia mulheres no Brasil, em geral, com dependência emocional, que saíram ou ainda vivem relacionamentos disfuncionais, marcados pela violência em vários níveis. Por meio das reuniões as mulheres discutem questões como medo do abandono, baixa autoestima, controle e relacionamentos destrutivos.
Por fim, caso deseje, mande um pix pela chave 21994428465 ou mande só um olá respondendo a esse e-mail. É muito importante quando você me conta sobre como tudo isso tocou em você.
Beijo grande e até breve!